terça-feira, 8 de outubro de 2013

ATIVIDADE DE LEITURA II - ESTUDO DO TEXTO

Leia o texto.                               
                                                               O Homem Nu

          Ao acordar, disse para a mulher:
          — Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa.  Mas acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum.
          — Explique isso ao homem — ponderou a mulher.
          — Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier à gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém. Deixa ele bater até cansar — amanhã eu pago.
          Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a porta de serviço para apanhar o pão.  Como estivesse completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro antes de arriscar-se a dar dois passos até o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do parapeito. Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos, porém, tocavam o pão, a porta atrás de si fechou-se com estrondo, impulsionada pelo vento.
          Aterrorizado, precipitou-se até a campainha e, depois de tocá-la, ficou à espera, olhando ansiosamente ao redor. Ouviu lá dentro o ruído da água do chuveiro interromper-se de súbito, mas ninguém veio abrir. Na certa a mulher pensava que já era o sujeito da televisão. Bateu com o nó dos dedos:
          — Maria! Abre aí, Maria. Sou eu — chamou, em voz baixa.
Quanto mais batia, mais silêncio fazia lá dentro.
Enquanto isso, ouvia lá embaixo a porta do elevador fechar-se, viu o ponteiro subir lentamente os andares...  Desta vez, era o homem da televisão!
Não era. Refugiado no lanço da escada entre os andares, esperou que o elevador passasse, e voltou para a porta de seu apartamento, sempre a segurar nas mãos nervosas o embrulho de pão:
           — Maria, por favor! Sou eu!
Desta vez não teve tempo de insistir: ouviu passos na escada, lentos, regulares, vindos lá de baixo... Tomado de pânico, olhou ao redor, fazendo uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão, parecia executar um ballet grotesco e mal ensaiado. Os passos na escada se aproximavam, e ele sem onde se esconder. Correu para o elevador, apertou o botão. Foi o tempo de abrir a porta e entrar, e a empregada passava, vagarosa, encetando a subida de mais um lanço de escada. Ele respirou aliviado, enxugando o suor da testa com o embrulho do pão.
Mas eis que a porta interna do elevador se fecha e ele começa a descer.
          — Ah, isso é que não!  — fez o homem nu, sobressaltado.
E agora? Alguém lá embaixo abriria a porta do elevador e daria com ele ali, em pêlo, podia mesmo ser algum vizinho conhecido... Percebeu, desorientado, que estava sendo levado cada vez para mais longe de seu apartamento, começava a viver um verdadeiro pesadelo de Kafka, instaurava-se naquele momento o mais autêntico e desvairado Regime do Terror!
          — Isso é que não — repetiu, furioso.
Agarrou-se à porta do elevador e abriu-a com força entre os andares, obrigando-o a parar.  Respirou fundo, fechando os olhos, para ter a momentânea ilusão de que sonhava. Depois experimentou apertar o botão do seu andar. Lá embaixo continuavam a chamar o elevador.  Antes de mais nada: "Emergência: parar". Muito bem. E agora? Iria subir ou descer?  Com cautela desligou a parada de emergência, largou a porta, enquanto insistia em fazer o elevador subir. O elevador subiu.
            — Maria! Abre esta porta! — gritava, desta vez esmurrando a porta, já sem nenhuma cautela. Ouviu que outra porta se abria atrás de si.
Voltou-se, acuado, apoiando o traseiro no batente e tentando inutilmente cobrir-se com o embrulho de pão. Era a velha do apartamento vizinho:
            — Bom dia, minha senhora — disse ele, confuso.  — Imagine que eu...
A velha, estarrecida, atirou os braços para cima, soltou um grito:
            — Valha-me Deus! O padeiro está nu!
E correu ao telefone para chamar a radiopatrulha:
            — Tem um homem pelado aqui na porta!
Outros vizinhos, ouvindo a gritaria, vieram ver o que se passava:
            — É um tarado!
            — Olha, que horror!
            — Não olha não! Já pra dentro, minha filha!
            Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente a porta para ver o que era. Ele entrou como um foguete e vestiu-se precipitadamente, sem nem se lembrar do banho. Poucos minutos depois, restabelecida a calma lá fora, bateram na porta.
            — Deve ser a polícia — disse ele, ainda ofegante, indo abrir.

            Não era: era o cobrador da televisão.
                                                                                                                           FERNANDO SABINO

01. De acordo com o texto, a história contada fala sobre
      (A) o pagamento da televisão.
      (B) a visita do cobrador.
      (C) o homem despido no elevador.
      (D) o pagamento da prestação.
(Habilidade- Localizar informações explícitas em um texto.)

02. O que gerou o conflito da narrativa foi
(A) o homem não ter trazido dinheiro para pagar a prestação da televisão.
(B) o homem pediu a mulher para não fazer barulho quando o cobrador chegasse.
(C) quando o homem tirou o pijama e dirigiu-se ao banheiro.
(D) quando a porta atrás de si fechou-se, impulsionada pelo vento.
(Habilidade- Reconhecer o conflito gerador do enredo.)

03. No trecho “... Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações...”, a expressão em destaque significa
(A) velhacaria.
(B) vigarista.
(C) ludibriante.
(D) blefante.  
           (Habilidade- Inferir uma informação implícita em um texto.) 

04. A história acontece 
(A) fora do apartamento.                                (C) no banheiro.
(B) no apartamento.                                        (D) na cozinha.
(Habilidade- Reconhecer os elementos que compõem uma narrativa.)

05. No trecho “Bom dia, minha senhora...”, essa fala é de qual personagem?
(A) da vizinha.                                                  (C) da Maria.
(B) do homem nu.                                            (D) de outros vizinhos.
(Habilidade- Identificar as marcas linguísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor de um texto.)

06. O texto trata, principalmente
(A) de uma angústia absurda.          (C) da cobrança da televisão.
(B) de um caso de polícia.                (D) de um caso fora do normal.
(Habilidade- Identificar o tema de um texto.)

07. A finalidade do texto é
(A) mostrar ao leitor que diante de uma situação ou problema a ser resolvido, o melhor é encarar do que tentar fugir.
(B) mostrar ao leitor uma situação-problema corriqueira.
(C) mostrar ao leitor uma situação constrangedora, comumente vista no cotidiano.
(D) mostrar ao leitor que diante de um problema do dia a dia, o melhor é refugiar-se, até as coisas apaziguarem.
(Habilidade- Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros.)


08. A situação inicial do texto é
(A) quando o homem disse à mulher que era dia de pagar a prestação da televisão, mas ele não tinha nenhum dinheiro e o cobrador na certa viria.
(B) quando a mulher falou ao marido que ele devia explicar ao homem e não tentar fugir do problema.
(C) quando o marido pediu a mulher para ficar quieta, para o cobrador pensar que não havia ninguém.
(D) quando a esposa abriu a porta e o marido entrou precipitadamente, sem nem se lembrar do banho.
(Habilidade- Identificar os elementos que constroem a narrativa.)

09. O texto apresenta uma boa quantidade de falas e diálogos curtos. Os usos desses recursos imprimem a narrativa o seguinte efeito
(A) clima caótico durante o clímax da narrativa.
(B) torna a narrativa coesa e o clima crítico.
(C) clima caloroso durante o clímax da narrativa.
(D) clima leve durante o clímax da narrativa.
(Habilidade- Reconhecer o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras notações.)

10. No trecho “...começava a viver um verdadeiro pesadelo de Kafka...”, a expressão em destaque significa
(A) angústia absurda da existência humana.
(B) obsessão que amedronta.
(C) atmosfera de pesadelo.
(D) pessoa ou coisa molesta ou enfadonha.
(Habilidade- Inferir o sentido de uma palavra ou expressão.) 


GABARITO
01. D; 02. A; 03. B; 04. A; 05. B; 06. A; 07. A; 08. A; 09. A; 10. A.

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